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O suprimento adequado de afeto e a riqueza da vida



“O afeto é a vacina que nos protege de vários adoecimentos emocionais”. Escrevi esta frase e a postei em minhas redes sociais após conhecer o trabalho de um pediatra incrível – o dr. Antônio Pires* - e suas acertadas colocações sobre a importância do suprimento adequado de afeto nos primeiros meses de vida do ser humano.



Após ter me tornado mãe, conheci o que é cansaço. Definitivamente, isso é algo que eu desconhecia até então. Os primeiros meses de vida de um bebê nos leva a um estado de esgotamento físico e mental em que não cabe dizer que nos sentimos cansadas, isso seria pouco. O que acontece é que choramos de cansaço! Choramos de sono, de exaustão. É uma vivência tão louca quanto transformadora, da qual podemos sair imensamente transmutadas, se soubermos viver essa oportunidade. Seria equivocado dizer que é uma experiência da qual saímos necessariamente transformadas – essas generalizações são sempre muito limitadas quando falamos de vivências humanas.



Na busca por maneiras de lidar com esse período enlouquecedor, tive acesso a inúmeras ofertas de cursos que prometiam ensinar a fazer o bebê dormir a noite inteira. Em um deles – diante do qual até me assustei – a promessa era de fazer o bebê dormir por 12 horas! Ver aquilo me acendeu uma luzinha e eu pensei: “Espera... As pessoas querem, na verdade, ter uma planta no lugar de um bebê! Pra que ter um filho, então?”.



Eu e meu marido chegamos a comprar um ebook desses que ensinam a fazer o bebê dormir por mais tempo, e a proposta passava por impôr rotinas a ele (é esta, basicamente, a proposta desses cursos, no geral). As recomendações passavam por evitar deixar tanto tempo no colo, ter horários para mamar, não permitir que o bebê adormeça no peito, etc. Mas alguma coisa nisso tudo estava me incomodando, não encaixava na maneira como eu sentia vontade de lidar com meu bebê.


Foi aí que conheci, através da minha cunhada, o trabalho do Dr. Antônio. Ele veio com um discurso completamente oposto ao discurso que vi nestes outros profissionais. A recomendação do Dr. Antônio é de dar colo o máximo possível para o bebezinho, jamais recusar o contato quando ele o solicita. Ele recomenda o sling, a cama compartilhada até o momento em que a criança se sinta pronta para dormir sozinha, enfim, em resumo, a orientação dele é: DÊ AO BEBÊ O SUPRIMENTO ADEQUADO DE AFETO, NA MEDIDA EM QUE ELE PRECISA.





Eu me encantei ao perceber a grandeza do sentido que paira por trás dessa proposta. É uma proposta de que passemos a cultuar a ideia de que é saudável que os seres humanos iniciem a vida neste mundo de uma maneira mais acolhedora. De que o início da vida seja marcado por acolhimento emocional. É a proposta de que os bebês sejam supridos não apenas de leite, mas também de alimento emocional. É recusar os medos infundados que nos são colocados quando queremos acolher nosso bebê (vai ficar mal acostumado, etc). Por que construímos essa cultura do abandono? Por que essa ideia de que afeto, colo e amor podem ser prejudiciais a um bebezinho, de qualquer forma que seja? Qual o problema do meu bebe de 1 mês querer dormir no meu peito? Qual o problema do meu bebezinho querer abraço, querer estar em contato com pessoas de confiança o tempo todo? Por que temos que nascer sabendo ser sozinhos, sendo que, ao chegarmos a este mundo, passamos 9 meses sendo parte do corpo da nossa mãe? Por que as pessoas têm filhos, se desejam um bebê que não as acorde durante a noite, não chore, não dê trabalho? Por que somos tão exigentes com nossos bebezinhos e o que isso está nos dizendo sobre nós mesmos?



Cultuamos o abandono no lugar do acolhimento, a rigidez no lugar do diálogo, a imposição de regras no lugar da observação atenta que nos levaria a um entendimento melhor das coisas. Colocamos bebês no mundo e queremos que eles se adequem a nós, perdendo a incrível e única oportunidade de aprendizado que existe em acompanhar atentamente como se dá o início da vida humana. Não estamos interessados em aprender nada. Vemos o bebê como um ser que chega ao mundo somente para ser ensinado. Não nos atentamos para a oportunidade que um bebê nos coloca de acessar nossas próprias necessidades mais profundas, quando ele explicita aos nossos olhos o que um ser humano traz consigo como exigência fundamental, quando nasce.



Um bebê precisa de muito pouco: alimento para seu corpinho se desenvolver, cuidados de higiene e saúde e AFETO. Sua demanda por afeto é enorme! Um bebezinho de poucas semanas pede contato físico o tempo todo. Tem enorme dificuldade para estar sozinho. Isso nos mostra a base da condição humana: não sabemos ser sozinhos. A solidão é uma das maiores causas de depressão pelo mundo. Neste sentido, precisamos aprofundar o sentido de solidão: nossa cultura está cada vez mais individualista e solitária, as conexões humanas mais profundas estão cada vez mais raras e difíceis, afinal de contas, nessa cultura da imagem, estamos cada vez mais desconectados de nós mesmos.



Seres humanos adultos que não receberam o afeto que necessitavam quando eram bebês ou crianças tornam-se pessoas pouco aptas para fornecer esse afeto a um filho. Muito importante mencionar que estou falando, aqui, do afeto saudável, daquele que não fica aquém e nem vai além da medida. Como nos ensina Donald Winnicott, a maternagem deve ser “suficientemente boa” – nem demais, nem de menos. O afeto além da medida também pode ser extremamente maléfico, formando caráteres egocêntricos e narcisistas.





Começamos nossa vida neste mundo com o máximo de uma necessidade que, se não suprida, deixa marcas de vazio e feridas de amor próprio que dificilmente serão remediadas em outro momento da vida.



O bebê é puro potencial: ele carrega, em si, todas as potencialidades, tanto positivas quanto negativas. Feridas profundas de amor próprio podem desencadear o desenvolvimento das piores potencialidades de um ser humano. O ensinamento de limites e regras, quando não é acompanhado de amor e afeto, não tem eficácia, pois é autoritarismo. No outro extremo, se ficamos apenas com a permissividade e o acolhimento sem medida, também não ajudamos um ser humano a trilhar o caminho da autorrealização. É, sem dúvidas, perigoso para uma criança estar presa demais aos pais. Uma ligação muito forte aos pais constitui impedimento direto para a acomodação de uma vida futura autônoma e plena.



Qual é a receita? Olhar para si. O que atua nas crianças é muito mais o que somos do que o tentamos transmitir. Nossos segredos, aquilo que tentamos esconder inclusive de nós mesmos, nossos próprios complexos, nossas feridas não resolvidas: é isso o que atua na nossa maneira de sermos pais e mães. Criar um filho é reatualizar o complexo infantil em si. Se nossa criança interior não foi devidamente acolhida, teremos dificuldades em acolher, da forma adequada, as necessidades e demandas de um filho para que se desenvolva saudavelmente.



Feridas de amor próprio estão na base de vários sintomas limitadores da riqueza da vida: ansiedade, compulsões, vícios, abusos... Nesse sentido, uma cultura que valorize o suprimento de afeto ao invés do abandono no início da vida – que ensine a dar colo aos bebezinhos ao invés de exigir que aprendam, na marra, a ser sozinhos – funcionaria como uma vacina emocional em massa. Uma vacina que nos protegeria de diversas formas virais de adoecimento emocional. A provisão da medida necessária de afeto no princípio da vida humana permitiria a formação de uma sociedade de pessoas muito mais conectadas ao sentido da vida, uma vez que estariam menos submetidas a seus próprios complexos e identificações negativas – os verdadeiros ladrões da riqueza da existência.



Jung nos ensina que a vida faz sentido quando estamos no caminho da individuação. A vida psíquica é imensamente rica e profunda. A racionalidade não dá conta dessa riqueza, o ego não dá conta do que está além da racionalidade e da literalidade. Uma vida restrita ao ego, às limitações dos complexos, é uma vida sombria.



Não há maneira de pensarmos em construir um mundo com seres humanos mais saudáveis que não passe por conseguir captar a profundidade do recado que os bebês nos dão:



SEM AMOR, NÃO HÁ SOLUÇÃO.






*Quem se interessar em conhecer o trabalho do dr. Antônio, não deixe de visitar sua página no instagram: instagram.com/antoniopirespediatra

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